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quarta-feira, 30 de abril de 2014

Os retratos de uma vida

Durante a faculdade, sempre fui mito resistente à clinica. Na minha ingenuidade acadêmica, essa prática me parecia “pouco eficiente e muito demorada”. Quis o destino que eu experienciasse a clínica logo no meu primeiro emprego, que dura nada menos que 3 anos. Ao aplicar técnicas e teorias, logo comecei a perceber mudanças importantes em meus pacientes (nome que ainda tenho dificuldades em aceitar).
Trabalhando em saúde pública, realizei projetos e vivenciei diversas formas de intervenções. Porém, não custou para que eu percebesse que esse é nosso chão, e clínica não se faz apenas em uma sala fechada com um paciente sentado à frente. Assim, fiz clínica em escolas, em grupos, em oficinas ou atendimentos de outros profissionais, em salas de espera, e, também, solita com um paciente.
Aos poucos, a prática clínica foi me conquistando. Hoje, o que mais me recompensa na prática clínica são as surpresas com as quais nossos pacientes nos presenteiam. Aqui explico meu parênteses – não pode ser paciente quem muitas vezes toma as rédeas do tratamento! Agora sei que sou uma facilitadora, organizadora e orientadora, mas quem faz o trabalho sujo são eles, nossos atendidos. Por isso, nunca aceitei esse termo. Mas na falta de outro que traduza melhor esse papel, ainda o utilizo.
Hoje tive uma dessas gratificações, que de tão boa precisei vir aqui compartilhar. Estou atendendo alguém há cerca de 1 ano, de diferentes formas. Fiz intervenções em grupo e atendimentos multiprofissionais, até por fim vir a atende-la na clínica individual. Ela (uma mulher determinada no auge dos seus “30 e poucos”) sempre se demonstrou muito ativa e criativa. Com o tempo foi me contado sua “nada mole vida”, com muitas passagens tristes, desesperadas e sombrias. A sessão de hoje, porém, foi totalmente diferente de todas que já realizei até hoje, com ela ou com outros pacientes. Já cansada de contar-me sua rotina, ela decidiu por ilustrar. Fez uma compilação de sua linha do tempo até que aconteceu uma grande mudança. Depois disso, mostrou-me as pessoas mais importantes de sua vida. Tudo isso em um álbum de fotografias. Afinal, o que seria melhor para ilustrar um momento do que o registro dele?

Pois bem, eu adoro fotografias e por várias vezes já fiz compilações como esta. Nenhuma delas, no entanto, conseguiu comportar tanta história, sorrisos e lágrimas como a dela. Foi como ter visto sua alma com todos os seus sentimentos em cada história que compõe a sua própria. O que mais me tocou, então, foi a forma como ela conseguiu que eu tocasse sua alma com todos os remendos e feridas. Foi como um espelho me refletindo sua personalidade; quase como uma lupa. Senti-me tão despreparada enquanto profissional... Por mais técnicas e teorias, jamais conseguiria chegar a tamanha profundidade. Hoje a paciente fui eu, e ela me demonstrou na prática as palavras de Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas outra alma humana”. E agora eu é que vou para o divã.

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