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quarta-feira, 30 de abril de 2014

A foto e o fato do dia

    Nos últimos dias tenho recebido tantos pequenos presentes que têm me realizado muito. A prova maior foi a reavivação de um hábito há anos perdido, que é a escrita no blog. Meu blog anterior não existe mais. Ele foi encerrado junto com uma fase de minha vida nada agradável. Foi como um rito de passagem... Ele guardava lembranças e descrições que não queria mais levar comigo. Hoje não. Refazer o blog foi, novamente, um rito de passagem, mas dessa vez para novas experiências e horizontes. Aos poucos vou compartilhando aqui os novos sonhos e planos, cada vez mais próximos e ao mesmo tempo tão distantes.
   Mas o que me traz aqui hoje é minha pequena alegria em forma de presente. E, sim, hoje é o primeiro dia que posto na data certa! Os textos anteriores são de vários dias diferentes, postados ao mesmo tempo como abertura do blog. 
   Encontrei em meu local de trabalho pessoas muito especiais. Foi o primeiro lugar onde atuei e meu primeiro emprego, que me acolheu melhor impossível. Encontrei pessoas que me "adotaram" - eu era uma pirralha de 20 e poucos anos em meio a muita gente experiente e com muitos ensinamentos, que por sorte pude aprender antes de ter que quebrar a cabeça com eles. Lá tem a "mamãe" conselheira, a "vovó" que é apaixonada por seu neto (essa eu só peguei emprestado), algumas primas distantes e a "irmã gêmea", alguém que de tão parecida em ideais e trapalhadas ganhou esse título. E o filho dela, a criança mais amável que já conheci, acabei "adotando" como afilhado emprestado. É dela que falo hoje, pois ela me trouxe uma foto dele para eu guardar na minha agenda, junto com um "mãe, diz pra ela que tô com saudades!". Foi um pequeno-grande gesto que fez meu dia valer - e muito! - a pena.
   Nessas horas percebo o valor de amigos e família. Pra ser feliz basta tão pouco, desde que regado com muito afeto. E estou me sentindo abençoada por tantos pequenos/grandes presentes diários. Agora sei que estou no lugar certo.
   A propósito, minha agenda ficou linda com a foto mimosa desse meu pequeno!

Com a palavra, o servidor.

Serviço público é um tema bem debatido atualmente, seja por profissionais que desejam nele ingressar e fazer carreira, ou seja pela população desejosa por qualidade. Quanto à população, é muito gratificante ver que “o gigante acordou” e entendeu que os serviços públicos, de qualquer natureza, não são apenas para quem não pode pagar particular, mas sim o retorno dos impostos pagos por todos. Sendo assim, não é um favor que o governo faz à população, mas sim uma obrigação para com ela. E, sabendo disso, é natural e saudável que venha essa cobrança, pois assim conseguimos ter maior qualidade e quantidade em todos os setores.
Essa cobrança da população fez surgir interesse em muitos profissionais de atuarem nessa área. Isso porque temos um mercado de trabalho confuso e exigente, que cobra dos candidatos competências e formações mirabolantes e muitas vezes impossíveis de serem alcançadas. Assim, prestar um concurso público é uma forma de garantir um emprego sem grandes exigências e com a garantia da estabilidade, inexistente em qualquer outro setor do mercado de trabalho.
Isso tem feito com que muitas vezes profissionais não tão capacitados passem em provas de seleção e virem uma espécie de problema, sendo acomodados e não colaborativos. Como funcionária pública em nível municipal, percebo que infelizmente esse tipo de profissional é o único que sobrevive na vida pública deste nível. Não há atrativos para que bons profissionais lá permaneçam, e a confusão dos serviços com a política praticamente expulsa quem possa vir a ter outra oportunidade em algum outro local, restando apenas os que querem sua estabilidade – e nada mais.
Aqui penso no perigo da meritocracia, defendida por muitos. Não sou contra esse método, porém percebo que não funcionaria em muitos setores públicos preteridos por candidatos, como vagas municipais. Se for tirada a estabilidade, qual seria o atrativo para permanecer em uma vida pública que preza por favores políticos e que oferece salários nada atrativos? Quem deixaria uma oportunidade de emprego em empresas que oferecem o dobro do salário, com as mesmas condições de trabalho, apenas por “amor à camiseta” da máquina pública? Talvez solucione grandes disputas em vagas muito desejadas, mas criaria um grande problema em outros locais. Afinal, não se pode agradar a todos...
De qualquer forma, a única certeza que temos é que vivemos em um momento de grandes mudanças e questionamentos. Por isso, toda ideia é válida, por mais absurda que seja, pois é questionando e refletindo sobre diferentes pontos de vista que a sociedade evolui. E é exatamente por essa evolução que surgiu o problema trazido neste texto.

                

De malas prontas

Hoje fui convidada por uma pequena-grande paciente a fazer uma viagem. Sem dizer uma só palavra ela me colocou em um carro feito por peças de lego, desenhou um passeio com direito à parada para tomar sorvete de chocolate e esboçou todos os seus fantasmas e alegrias em algumas folhas de papel e giz de cera. Nunca antes havia feito uma viagem tão interessante. E sem sair da minha poltrona! São essas sessões que me deixam encantada com a pureza e criatividade infantil. Posso viajar o mundo que jamais conseguirei transportar alguém com a mesma emoção como ela fez comigo. E assim as crianças vão me conquistando mais e mais...

Os retratos de uma vida

Durante a faculdade, sempre fui mito resistente à clinica. Na minha ingenuidade acadêmica, essa prática me parecia “pouco eficiente e muito demorada”. Quis o destino que eu experienciasse a clínica logo no meu primeiro emprego, que dura nada menos que 3 anos. Ao aplicar técnicas e teorias, logo comecei a perceber mudanças importantes em meus pacientes (nome que ainda tenho dificuldades em aceitar).
Trabalhando em saúde pública, realizei projetos e vivenciei diversas formas de intervenções. Porém, não custou para que eu percebesse que esse é nosso chão, e clínica não se faz apenas em uma sala fechada com um paciente sentado à frente. Assim, fiz clínica em escolas, em grupos, em oficinas ou atendimentos de outros profissionais, em salas de espera, e, também, solita com um paciente.
Aos poucos, a prática clínica foi me conquistando. Hoje, o que mais me recompensa na prática clínica são as surpresas com as quais nossos pacientes nos presenteiam. Aqui explico meu parênteses – não pode ser paciente quem muitas vezes toma as rédeas do tratamento! Agora sei que sou uma facilitadora, organizadora e orientadora, mas quem faz o trabalho sujo são eles, nossos atendidos. Por isso, nunca aceitei esse termo. Mas na falta de outro que traduza melhor esse papel, ainda o utilizo.
Hoje tive uma dessas gratificações, que de tão boa precisei vir aqui compartilhar. Estou atendendo alguém há cerca de 1 ano, de diferentes formas. Fiz intervenções em grupo e atendimentos multiprofissionais, até por fim vir a atende-la na clínica individual. Ela (uma mulher determinada no auge dos seus “30 e poucos”) sempre se demonstrou muito ativa e criativa. Com o tempo foi me contado sua “nada mole vida”, com muitas passagens tristes, desesperadas e sombrias. A sessão de hoje, porém, foi totalmente diferente de todas que já realizei até hoje, com ela ou com outros pacientes. Já cansada de contar-me sua rotina, ela decidiu por ilustrar. Fez uma compilação de sua linha do tempo até que aconteceu uma grande mudança. Depois disso, mostrou-me as pessoas mais importantes de sua vida. Tudo isso em um álbum de fotografias. Afinal, o que seria melhor para ilustrar um momento do que o registro dele?

Pois bem, eu adoro fotografias e por várias vezes já fiz compilações como esta. Nenhuma delas, no entanto, conseguiu comportar tanta história, sorrisos e lágrimas como a dela. Foi como ter visto sua alma com todos os seus sentimentos em cada história que compõe a sua própria. O que mais me tocou, então, foi a forma como ela conseguiu que eu tocasse sua alma com todos os remendos e feridas. Foi como um espelho me refletindo sua personalidade; quase como uma lupa. Senti-me tão despreparada enquanto profissional... Por mais técnicas e teorias, jamais conseguiria chegar a tamanha profundidade. Hoje a paciente fui eu, e ela me demonstrou na prática as palavras de Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas outra alma humana”. E agora eu é que vou para o divã.