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segunda-feira, 27 de abril de 2015

Meus "tem que"

Uma das coisas que mais tem me incomodado na rotina no exterior é o "ter que". "Você tem que pensar de tal jeito, tem que agir assim e tem que fazer algo dessa maneira". Ok, eu sei que eu sou a estrangeira e preciso respeitar a cultura local, afinal, eu vim até ela, e não ela até mim. Também não quero que ninguém mude algo por mim. Mas eu tenho uma história, e quero que isso seja respeitado. Não nasci ontem, tampouco cheguei aos 28 anos sem dificuldades ou batalhas.
Deixa eu explicar melhor. Minha educação aqui é questionada por ser do terceiro mundo - até agora apenas um local me deu oportunidade para mostrar o que sei e me avaliou pelos meus conhecimentos reais, que por sinal, foi um local que me aceitou e me acolheu muito bem, abrindo uma grande oportunidade de vivência. Os demais locais simplesmente leem "Brazil" no meu currículo e o descartam. Poxa, se quem quis me ouvir gostou, quer dizer que não é tão ruim assim. Minha universidade é tão boa quanto a daqui, mas quando digo isso ouço que "não é A daqui", como se fosse a única referência positiva. Minha experiência também é questionada por ser de terceiro mundo E em uma instituição pública. Eu explico que existe uma seleção por concurso público, que não é fácil (porque aqui não existe qualquer tipo de seleção), mas como não é do cotidiano deles, eles presumem que não é bom. Já questionaram inclusive minha prática de maquiadora, comprovada em fotos - tem que ter curso daqui senão não vale (what????).
Mas de canadense entende-se - afinal, a realidade deles é essa e sempre foi assim. Os piores "tem que", no entanto, tem vindo de brasileiros como eu, e a maioria que ainda está ou (já voltou) no Brasil. Para quem está no Brasil o exterior é um paraíso, e quem tem oportunidade de sair do país "tem que" adorar e se sentir privilegiado. Isso me parece um pouco de ingenuidade, pois nenhum país é o paraíso. Temos muitos problemas no Brasil, sim, mas todo país tem seus problemas. É uma questão de escolha e valores. Aqui se compra eletrônicos por um preço bem mais baixo, o transporte é bem mais tranquilo e sem tantos congestionamentos, e o poder de compra é maior. Porém, comer carne e fruta é luxo - são produtos caros e ruins. Churrasco como o do RS nem rico aqui consegue. A saudade de pessoas especiais é grande, mesmo com internet, e a solidão também, afinal, chega-se em um lugar com pessoas totalmente desconhecidas e leva-se um tempo para fazer novas amizades e contatos. O frio judia qualquer um pela intensidade e extensão. As pessoas tem um ritmo mais leve, que é bom, mas estranhamos muito no início (principalmente quando dependemos de algum serviço que foge do padrão de quem executa).
Você deve estar pensando o que eu quero com esse post. Já escrevi outros mostrando que o exterior não é tão lindo quando parece, e esse é mais um. Não quero desencorajar ninguém nem sujar a imagem do país, mas preciso desabafar e alertar pessoas como eu. Oi?? Sim, se eu soubesse disso antes, não teria criado tanta expectativa e me decepcionado de forma tão intensa. Estaria com os pés no chão. Eu não tenho que estar realizada aqui, eu "tenho que" aproveitar o que é bom e diferente. Eu só "tenho que" superar as dificuldades, e nada melhor pra isso do que trocar uma ideia. Através do blog tenho conversado com muita gente que tem sonhos em dúvidas e está prestes a experienciar essa aventura. Com esses eu "tenho que" ser sincera. Com os demais, "tenho que ter" paciência, e seguir com minha mescla de sentimentos com os quais "tenho que" lidar diariamente.

sábado, 4 de abril de 2015

Páscoa no Canadá

Me perguntaram esses dias se aqui também tem páscoa. Ora... Não é um feriado cristão? Existem muitas igrejas cristãs aqui. Logo... Sim, existe páscoa tal qual à do Brasil. Ontem foi feriado por ser sexta-feira santa (chamada por eles de 'good friday'), hoje é sábado de aleluia e amanhã é domingo de páscoa. As famílias se reúnem para celebrar a páscoa, mas dizem que este ano está sendo diferente: ano passado já não tinha mais neve acumulada, não era tão frio, e por isso eles comemoraram fazendo churrasco e picnic no pátio (coisas beeem comuns quando o clima permite). Neste ano a temperatura ainda não deu trégua, continua um frio louco e muita neve nas ruas, o que desanima qualquer vivente de querer sair ou fazer atividades ao ar livre.
Mas voltando à páscoa, tem uma pequena diferença aqui que tem um impacto enorme nas comemorações: a (falta de) mercantilização da data. Sim, as pessoas celebram, vão à missa, a família se reúne e existe a caça aos ovos de páscoa. Mas é exatamente aqui que há o pulo do gato, digo, coelho: se você quiser trocar ovos de páscoa, faça-os você mesmo. Não é comum ver ovos de páscoa de preços homéricos nos supermercados. Há todo o tipo de chocolate para vender, e muitos ovos em miniatura, super baratos. Aqueles com mega surpresas e que custam o equivalente à barras de ouro não são populares. E a páscoa não perde o sentido por isso, bem pelo contrário, ganha muito mais sentido em existir. Ainda se mantém a tradição de pintar casquinhas de ovos, fazer ovos de chocolate e todo o tipo de doces e montar as cestas de páscoa em casa, com a família reunida. Assim como em qualquer parte do mundo, essa tradição é muito maior em famílias com crianças. E, também como em qualquer parte do mundo, as famílias se reúnem e vão à missa, seja na religião que escolherem. No final, estão muito mais próximas do que quem esnoba por presentear com um ovo que, de tão caro, precisou ser declarado no imposto de renda. Afinal, este é o sentido da páscoa: tornar-se mais sincero, humano e humilde. Feliz de quem consegue isso, independente da forma como escolher celebrar esta data ao lado da família, ou de quem escolher para ser sua família.